Amor Ilimitado - A dor de amar demais

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terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Medo de ter medo

Vera Mattos, inclusive, ressalta a semelhança entre os sintomas de uma crise de pânico e os que anunciam um enfarte, recomendando que seus pacientes sempre consultem um cardiologista. Apesar dos tremores, da sudorese e da sensação iminente de morte, os exames de Soares indicavam saúde plena. Falta de ar, sufocamento, taquicardia e temor indefinido, principalmente da morte; em alguns casos, esses são sintomas de síndrome de pânico, que pode ter como origem a violência urbana JANE FERNANDES Quando homens armados entraram no ônibus que saíra de Itapuã em direção ao Iguatemi, José Soares não podia imaginar a repercussão que aquele episódio teria em sua vida. Enquanto o bandido mantinha um revólver apontado para sua cabeça, ele se preocupava com a segurança da tia idosa que o acompanhava. Resolvida a situação, o jovem de 23 anos começou a ter receio de entrar em transportes coletivos. Esse era apenas o primeiro sinal da síndrome do pânico, um transtorno de causas diversas, que está cada dia mais associado à violência urbana. Presidente da Fundação Maria Lúcia Jaqueira de Mattos, a psicanalista Vera Mattos estima que cerca de 45% dos seus pacientes com pânico desenvolveram a doença após algum episódio violento. A presidente da Associação Baiana de Psiquiatria, Rosa Garcia, aponta a inexistência de dados estatísticos sobre essa relação de causa e efeito. No entanto, ela explica que, por ser um transtorno neurótico, os sintomas da síndrome podem ser desencadeados a partir do acúmulo de experiências desagradáveis. Dentro desse contexto, Soares é um caso emblemático. No primeiro momento, a sensação de que algo muito ruim iria acontecer surgia apenas dentro dos ônibus, mas uma agressão no meio da madrugada lhe acrescentou outro fator de medo. “Comecei a evitar festas”, recorda. Os riscos oferecidos pela noite lhe pareciam imensos e, certo de que não “sairia vivo” de mais um assalto, ele se isolava sempre mais. A gota d’água foi o roubo do seu relógio por um adolescente armado com caco de vidro. Mesmo assim, o jovem demorou bastante para entender o que estava acontecendo. Notando que aquele mal-estar súbito era acompanhado por taquicardia, ele logo pensou em problemas cardíacos ou hipertensão. Vera Mattos, inclusive, ressalta a semelhança entre os sintomas de uma crise de pânico e os que anunciam um enfarte, recomendando que seus pacientes sempre consultem um cardiologista. Apesar dos tremores, da sudorese e da sensação iminente de morte, os exames de Soares indicavam saúde plena. “Eu pensava que estava ficando louco”, desabafa. Vale lembrar que, até a década de 60, os psiquiatras tratavam casos semelhantes como manifestações da loucura. Para não ser obrigado a sair de casa, andar entre pessoas e entrar em um elevador, Soares abandonou o emprego de auxiliar administrativo. Também movido pela sensação de que o único lugar seguro era sua própria casa, o profissional liberal André Ferreira, 49 anos, passou a executar seus trabalhos no “conforto do lar”. Afinal, não queria repetir a experiência de ficar completamente paralisado de pavor. “Com o passar do tempo, a segurança não está mais no quarto e sim embaixo da cama, no banheiro lacrado, ou apenas dentro de si mesmo”, alerta a psicanalista sobre a evolução da doença. Ela afirma que o quadro pode chegar ao ponto de o paciente ter medo de se afogar no banho, engasgar com a água que bebe ou evitar dormir, para não morrer durante o sono. Soares pensava que era o único a se sentir dessa forma, Ferreira mal sabia que a síndrome do pânico existia, mas vendo que não podiam manter aquele processo de isolamento progressivo, eles resolveram procurar ajuda. Tratamento é feito com terapia e medicamentos Como o mecanismo causador da doença ainda não foi descoberto, o diagnóstico da síndrome é feito através do histórico apresentado pelo paciente. “Não existe um aparelho, nem qualquer equipamento que possa identificar um portador”, avisa a psicanalista Vera Mattos. Para serem enquadradas como pânico, as crises precisam incluir pelo menos quatro sintomas listados pela Associação Norte-Americana de Psiquiatria. Esses episódios, no entanto, podem ser parte da sintomatologia de fobias e outros transtornos ansiosos. Então, a repetição desses instantes de “alerta máximo” desacompanhados de uma ameaça real é o grande diferencial. Grande parte dos sintomas surgidos durante uma crise da doença podem ser apresentados pelo corpo humano diante de uma situação de risco. O que parece acontecer nos pacientes da síndrome é que essa resposta orgânica acontece sem um motivador externo. “É algo exagerado e completamente irracional”, define Vera. De acordo com a psiquiatra Rosa Garcia, os últimos estudos apontam um distúrbio das aminas cerebrais como causa do transtorno. O desequilíbrio bioquímico envolveria a serotonina e noradrenalina, neurotransmissores também ligados aos quadros de depressão. O tratamento é feito de forma interdisciplinar, somando a psiquiatria e a psicanálise. O papel da primeira especialidade é prescrever os medicamentos que possam promover o equilíbrio dessa química cerebral. “Usamos antidepressivos e ansiolíticos”, explica Rosa. Enquanto André Ferreira – que localiza o assassinato de um grande amigo como primeiro fator gerador da síndrome – atribui 80% da sua melhora ao uso de remédios, José Soares, valoriza mais as sessões de análise. “Me preocupa o fato de me tornar dependente”, justifica o jovem. Atualmente o jovem não toma o medicamento todos os dias, mas reconhece não se sentir seguro para interromper completamente essa parte do tratamento. Além da existência de pacientes impossibilitados de tomar os remédios por conta de outras doenças, existem aqueles que têm medo de tomar o comprimido e morrer, é o que garante Vera. Embora a doença possa ser curada, os profissionais que lidam com pânico não estabelecem prazos para o avanço dos pacientes. “Ambos me dizem para não ter ansiedade a respeito de uma cura, pois tudo vai depender da minha reação”, conta Ferreira, em tratamento há mais de dois anos. Apesar de a doença ser mais comum na faixa etária de 20 a 40 anos, casos precoces também já são registrados. Afirmando ter diagnosticado a síndrome em pacientes infantis, a psicanalista alerta as famílias para que prestem mais atenção aos temores de suas crianças e adolescentes. Afinal, mesmo no meio médico-científico a linha entre o medo “normal” e o patológico é muito tênue. Soares tinha apenas 18 anos quando começou a desenvolver a síndrome e a reação dos seus pais era de descrença. “Achavam que eu estava criando uma situação”, lamenta. Saúde física e mental fica comprometida Não existem estatísticas que tratem exclusivamente da incidência da síndrome do pânico no Brasil, mas em 2003 a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimava que 17,8% da população brasileira apresentaria em algum momento um transtorno fóbico-social. Nesse leque de patologias está essa doença que atinge mais as mulheres e se manifesta em cerca de 4% da população mundial. Apesar de afirmar não ser possível estabelecer uma conexão direta entre esse problema médico e a violência característica das grandes cidades, a enfermeira Heloniza Costa, do grupo gestor do Fórum de Combate à Violência (FCCV), aponta os episódios violentos como causa de desequilíbrios emocionais. “O que você vê é que hoje todo mundo tem medo”, diz Heloniza. O que leva esse temor a ultrapassar a barreira do instinto de preservação e se transformar em doença é o que resta descobrir. A falta de dados históricos sobre o transtorno, mais freqüente no meio urbano do que no rural, também impede uma afirmação segura sobre o seu crescimento na sociedade; o mesmo, no entanto, não pode ser dito sobre a violência. Visto como grande termômetro da insegurança nas cidades, a ocorrência de homicídios tem crescido ano a ano. Enquanto o Centro de Documentação e Estatística Policial do Estado contabilizou 840 casos em 2004, ao longo do ano passado, 920 pessoas foram vítimas dessa forma de violência. Dentro da visão defendida pelo fórum, a violência é um problema de saúde pública. Além de causar mortes e deixar seqüelas físicas, a atmosfera gerada por assaltos, seqüestros e outras agressões diretas também pode gerar doenças nos indivíduos. “A existência da violência espalha esse clima de tensão... é muito medo, muito pânico e isso não se restringe às vítimas”, argumenta Heloniza. O paciente André Ferreira concorda plenamente com essa análise, pois, para ele, a maior repercussão da violência em sua vida não é o temor pela própria integridade, mas o pavor diante do panorama de desrespeito à vida, que acredita ter se instalado na população. http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1268484-medo-de-ter-medo

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